O que é usucapião familiar e por que esse tema é tão importante?
Se você vive em um imóvel há muitos anos, especialmente após o fim de um relacionamento, e nunca teve o imóvel formalmente regularizado em seu nome, talvez já tenha ouvido falar da usucapião familiar. Pois, essa modalidade tem gerado muitas dúvidas, especialmente em situações em que um dos cônjuges permanece morando na casa após a separação e o outro abandona o lar.
Mas afinal, quem tem direito à usucapião familiar?
É possível perder a meação por abandono?
Como proteger juridicamente o imóvel e a família que nele reside?
Essas são perguntas muito procuradas por quem está em situação semelhante — e que exigem uma explicação simples, mas juridicamente correta. Então, vamos entender tudo passo a passo.
O que é usucapião e como ela funciona?
Antes de entrar na modalidade familiar, é importante entender o que é usucapião de forma geral.
Usucapião é uma forma de adquirir a propriedade de um bem pelo uso prolongado e contínuo, desde que cumpridos os requisitos legais. Ou seja, a pessoa passa a ser dona de um imóvel porque o utiliza de maneira legítima, pacífica e com intenção de dono por um determinado tempo, sem oposição do verdadeiro proprietário.
Mas, existem várias modalidades de usucapião, como a urbana, rural, extraordinária, especial urbana, especial rural e, claro, a usucapião familiar, que é o nosso foco aqui.
O que é a usucapião familiar (artigo 1.240-A do Código Civil)?
A usucapião familiar foi criada pela Lei nº 12.424/2011, que inseriu o artigo 1.240-A no Código Civil. Vamos ver o texto da lei:
Art. 1.240-A do Código Civil:
Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250 m² cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Parágrafo único: O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
Traduzindo em linguagem simples:
Se você ficou morando sozinho com seus filhos em um imóvel que era do casal, e o outro cônjuge abandonou o lar por mais de 2 anos, você pode pedir a usucapião familiar para se tornar o único proprietário do imóvel. Desde que, não tenha outro bem em seu nome.
Requisitos para conseguir a usucapião familiar
Para que o pedido seja aceito, a pessoa precisa comprovar todos os requisitos previstos no artigo. Vamos detalhá-los:
1. Posse direta e exclusiva
É preciso que quem ficou no imóvel tenha posse direta, ou seja, mora efetivamente no local, e que essa posse seja exclusiva, sem participação do outro cônjuge.
2. Imóvel de até 250 m²
A usucapião familiar só se aplica a imóveis urbanos de até 250 metros quadrados. Então, se o imóvel for maior, não se encaixa nessa modalidade.
3. Abandono do lar
Esse é o ponto mais delicado. Pois, a lei exige que o outro cônjuge tenha abandonado o lar. Ou seja, é necessário demonstrar que o ex-companheiro saiu do imóvel voluntariamente, sem justa causa e sem contribuir financeiramente ou emocionalmente para a manutenção do lar.
4. Uso para moradia própria ou da família
O imóvel precisa ser utilizado como residência — não pode estar alugado nem ser usado para fins comerciais.
5. Ausência de outro imóvel
Quem pede a usucapião não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. O objetivo da lei é proteger quem realmente precisa de moradia.
6. Prazo de 2 anos ininterruptos
O tempo mínimo de posse exclusiva exigido pela lei é de 2 anos, contados a partir do abandono.
O que significa “abandono do lar” na prática?
Uma das maiores dúvidas sobre esse tema é o que exatamente significa abandono do lar.
Nem sempre o simples fato de sair do imóvel caracteriza abandono. É preciso analisar o motivo e o contexto da separação.
Por exemplo:
- Se o cônjuge saiu do imóvel por causa de violência doméstica ou incompatibilidade conjugal, e continua contribuindo com despesas ou visitas aos filhos, não há abandono.
- Já se ele saiu sem dar notícias, não ajuda financeiramente e não demonstra interesse em manter o vínculo familiar, aí sim é caracterizado o abandono previsto no artigo 1.240-A.
O abandono é uma forma de negligência familiar e patrimonial. A lei busca proteger quem ficou desamparado, muitas vezes com filhos, mantendo a casa sozinha e garantindo a sobrevivência da família.
Exemplo prático: o caso de Maria
Imagine a seguinte situação:
Maria e João viviam juntos em um imóvel comprado na constância da união estável. Após alguns anos, João decide sair de casa, inicia outro relacionamento e nunca mais contribui para as despesas, deixando Maria e os filhos no imóvel.
Passados mais de 2 anos nessa situação, Maria continua pagando todas as contas, faz reparos na casa e utiliza o imóvel como moradia principal.
Nesse caso, ela pode requerer a usucapião familiar, demonstrando:
- Que João abandonou o lar;
- Que ela mora no imóvel de forma contínua e exclusiva;
- Que o bem é urbano e tem até 250 m²;
- E que não possui outro imóvel.
Com os documentos e provas corretas (contas, depoimentos, fotos, registros escolares dos filhos, etc.), Maria tem grandes chances de regularizar o imóvel em seu nome.
E o que acontece com a meação?
Outra dúvida comum: a usucapião familiar tira o direito de meação do outro cônjuge?
Sim. A intenção da lei é transferir integralmente a propriedade ao cônjuge que permaneceu no imóvel, como forma de proteção.
Em outras palavras, o cônjuge que abandonou o lar perde a sua parte, desde que todos os requisitos estejam cumpridos.
Mas é importante ressaltar: se o abandono não for comprovado, o ex-cônjuge continua tendo direito à meação, sendo necessário resolver a questão por partilha judicial.
Usucapião familiar e união estável: há diferença?
A usucapião familiar vale tanto para casamento quanto para união estável.
O artigo 1.240-A é claro ao mencionar “ex-cônjuge ou ex-companheiro”.
Ou seja, casais que viviam juntos sem registro formal também podem pleitear a usucapião familiar, desde que consigam provar a convivência e o abandono.
E se o imóvel estiver em nome apenas de um dos dois?
Essa é uma situação bem comum. Às vezes, o imóvel está registrado apenas no nome de um dos cônjuges, mas o outro também contribuiu para a construção ou aquisição.
Se o bem for de propriedade exclusiva do cônjuge que abandonou, o caso se torna mais delicado. A usucapião familiar pode ser usada como forma de regularização, desde que fique comprovado o uso exclusivo, o abandono e a dependência do imóvel para moradia.
Em contrapartida, se o imóvel nunca pertenceu ao casal, mas apenas a um deles antes da relação, a usucapião familiar não se aplica, porque o possuidor não “divide propriedade” — requisito essencial do artigo 1.240-A.
Como provar o abandono do lar
A prova do abandono é o maior desafio nesse tipo de ação. O juiz precisa ter segurança de que o cônjuge saiu de casa sem justificativa e sem intenção de retornar.
Entre os principais meios de prova estão:
- Testemunhas (vizinhos, parentes, amigos que acompanham a situação);
- Comprovantes de despesas pagas apenas por quem ficou no imóvel (contas de luz, água, IPTU);
- Mensagens e registros de comunicação que demonstrem a ausência de contato;
- Boletins de ocorrência (em casos de abandono material);
- Declarações escolares mostrando que o genitor ausente não participa da vida dos filhos.
Quanto mais consistente for o conjunto de provas, maiores as chances de sucesso.
Diferença entre usucapião familiar e outras modalidades
Muita gente confunde a usucapião familiar com outras modalidades, principalmente com a usucapião especial urbana. Veja as diferenças principais:
| Tipo de usucapião | Prazo | Área máxima | Requisitos principais |
| Familiar | 2 anos | 250 m² | Abandono do lar e imóvel dividido com ex-cônjuge |
| Especial urbana (art. 1.240 CC) | 5 anos | 250 m² | Posse pacífica e moradia, sem oposição, em imóvel sem dono conhecido |
| Extraordinária (art. 1.238 CC) | 15 anos | Sem limite | Posse contínua e sem oposição, mesmo sem título |
Ou seja, a usucapião familiar é bem mais rápida (2 anos), mas tem requisitos mais específicos, como o abandono do lar e a copropriedade anterior.
Passo a passo para pedir usucapião familiar
- Reunir documentos pessoais e do imóvel (matrícula, comprovantes de residência, contas, fotos, certidão de casamento ou união estável);
- Reunir provas do abandono;
- Contratar um advogado especializado em Direito de Família ou Direito Imobiliário;
- O advogado analisará se é possível propor a ação de usucapião familiar judicial (ou eventualmente extrajudicial, se não houver oposição);
- O processo segue com citação do ex-cônjuge, manifestação do Ministério Público e sentença judicial.
Perguntas frequentes sobre usucapião familiar
1. Preciso estar divorciado para pedir usucapião familiar?
Não necessariamente. O que importa é que o abandono do lar seja comprovado. Mesmo que o divórcio ainda não tenha sido formalizado, o pedido pode ser feito.
2. Posso pedir usucapião familiar de imóvel financiado?
Não. Enquanto o financiamento não estiver quitado, o imóvel pertence ao banco, e não pode ser objeto de usucapião.
3. A usucapião familiar pode ser feita em cartório?
Raramente. Como normalmente há conflito entre as partes (abandono e copropriedade), o caminho mais seguro é a via judicial.
4. E se o ex quiser voltar depois?
Depois de comprovado o abandono e declarado o domínio pela Justiça, o imóvel passa integralmente ao cônjuge que ficou. O ex perde o direito de propriedade.
Importância de consultar um advogado especializado
A usucapião familiar envolve aspectos emocionais, patrimoniais e jurídicos complexos. É um tipo de ação que exige interpretação sensível da lei e análise das provas com cuidado.
Um advogado especializado em Direito de Família e Direito Imobiliário poderá:
- Avaliar se o caso realmente se encaixa nos requisitos da usucapião familiar;
- Reunir as provas necessárias;
- Conduzir o processo de forma estratégica e ética;
- Evitar conflitos desnecessários e garantir que a regularização do imóvel ocorra de forma segura.
Além disso, um advogado pode verificar se há outras formas de proteger o bem, como acordo de partilha, escritura pública ou ação de reconhecimento de união estável.
Conclusão
A usucapião familiar é um instrumento poderoso de justiça social, criado para proteger quem foi deixado para trás após o fim de um relacionamento, garantindo moradia digna e segurança jurídica.
Se você está vivendo em um imóvel há anos, sem o apoio do ex-companheiro e sem a documentação regularizada, pode estar diante de um direito que merece ser reconhecido.Buscar orientação jurídica é o primeiro passo para transformar uma situação de vulnerabilidade em um direito consolidado e protegido pela lei.
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